Mudanças são necessárias na vida de um artista, como as flores que ressurgem belas na primavera e amarelam e tornam-se poeira no outono. Assim toda mudança, ao mesmo tempo em que nos apresenta novidades, deixa também um rastro de saudade dos momentos que ficarão na memória, gravados para a eternidade.
Ao mudar-me do "Menino Deus" para o "Bom Fim", a Praça Israel ficará num lugarzinho especial que o nosso querido Rubem Alves chamava de "bolso: onde guardamos a memória do que provamos e aprovamos!"
Momentos como os "Saraus de Poesia e Música", que realizei ao entardecer das primeiras quintas feiras de cada mês, na pracinha, sempre no dia da feira ecológica, quando as famílias se reúnem para brincar com os filhos, pra tomar um chimarrão entre vizinhos, pra jogar conversa fora, ou mesmo curtir os "ruídos típicos da praça", como os meninos brincando de "pega pega", andando de bike, os jovens sentados em volta de uma mesa de damas, também rodeado delas, e, jogando truco com a seriedade de um "jogo profissional", a gritaria do "passa a bola meeeuu", as risadas sem fim das furadas dos jovens na quadra de futebol, o lindo tapete amarelo das flores das árvores, o sabor de algumas frutas que a natureza nos reserva, cada qual a seu tempo de maturação, como a deliciosa carambola que, nessa época nos brinda com seu sabor, no meio praça, a delícia de sempre encontrar alguém, a qualquer hora e momento, pra trocar uma ideia... enfim... essas "memórias" ficarão guardadas nesse "bolso das experiências que provamos e aprovamos."
Bairro novo, casa nova, novos amigos, novos companheiros de casa, novos vizinhos, novo espaço de trabalho, novos desafios, novos projetos, a banda a mil, os melhores espaços culturais efervescentes e se abrindo, o porto-alegrense nos recebendo de coração aberto, sensível às nossas propostas culturais e artísticas, enfim... tudo novo!
Recomeçar?
Não!
Continuar!
Humm...
A vida é assim... nos oportuniza renovação a cada dia!
Saudade?
Não sei bem se é "saudade" esse sentimento que me enternece agora, talvez, seja mais do que saudade, seja "apego ao chão", como se esse momento, que se traduz em "afastamento do lugar onde se vive", fosse também uma espécie de reconhecimento do quanto "esse espaço é vivo e repleto de vida!"
As vezes é preciso, de fato, mudar-se, para mudar também algo em si!
Até então, sempre me vi e me reconheci nas pedras, nas calçadas, nas ruas, no frio seco da minha terra natal, Bagé, de repente, estou me "re-conhecendo" e quem sabe até me "identificando", com uma Porto Alegre que, até o momento, não era para mim, "a minha terra".
Sempre digo brincando: "o bageense quando sai de Bagé, na verdade, apenas empurra um pouquinho, e mais além, os limites da cidade," agora, em que estou de muda do "Menino Deus" para o "Bom Fim", começo a perceber que parte de mim é porto-alegrense, graças a essa pequena e singela pracinha, percebi que, muito de mim, ao mudar-me, mudou-me, e, fica aqui no "Menino Deus". E, a descoberta de que, "sou parte" da vida de tantas pessoas e amigos que fiz aqui no bairro, na pracinha Israel, vai comigo para o "Bom Fim", com a certeza de que muito em mim agora é PORTO ALEGRE!
Renato Borba.
Maestro
Projeto CRIARTERIAS: OFICINAS DE MÚSICA E IDENTIDADE
Centro Cultural CEEE Erico Verissimo
Porto Alegre - RS. Brasil.